quinta-feira, 18 de agosto de 2011

[Crítica Social] A lei e o reformismo

A LEI E O REFORMISMO

Modificar uma casa, um pouco de cada vez, até que ela se torne um avião – e isto através da edição de leis. É em parte esta – ironia à parte – a esperança fundamental de quem propõe transformar o mundo através do direito. É esta a aposta por trás dos ideais de construção de uma sociedade “mais justa”, “mais solidária” ou “mais humana” através de um direito melhor do que o direito atualmente existente.
 
Há aqui pelo menos três grandes problemas a destacar. Em primeiro lugar, persiste uma velha crença do jurista, muito difundida e objeto de pouquíssima reflexão, segundo a qual o direito contém em si a potência de transformar quaisquer relações sociais. Tanto assim que a resposta padrão do jurista para qualquer novo problema é quase sempre a mesma: é preciso editar uma nova lei.
 
Em segundo lugar, persiste igualmente uma visão muito superficial do direito, visão que o retira por completo da história e, por conseqüência, pretende ser possível encontrar o direito em qualquer formação social, do passado, presente ou futuro. O direito poderia assim servir de “instrumento” para a manutenção de qualquer sociedade, bem como (uma vez modificado para tanto) para a transição a qualquer outra. Escapa aqui essencialmente a determinação histórica específica do direito: o seu vínculo indissolúvel com uma formação social determinada, aquela correspondente ao modo capitalista de produção.
 
Em terceiro lugar, o fundamento de todo reformismo reside numa concepção parcial e, por isso mesmo, precária da sociedade e de suas transformações. Uma sociedade nova há, sem dúvida, de nascer de dentro de uma sociedade velha, mas disso não se pode concluir que a modificação marginal e gradual de uma sociedade velha dará origem a uma nova. Uma transformação social efetiva só pode ocorrer pela ruptura radical, pela modificação das estruturas mais profundas. Melhorar as poucos uma sociedade velha resultará apenas numa sociedade velha melhorada: uma nova sociedade só pode nascer de um processo revolucionário.
 
Num tal processo, o direito é muito mais obstáculo do que instrumento de transformação. Se uma transformação social efetiva só pode ocorrer através da ruptura e da dissolução do velho, então só se pode concluir que também este elemento da sociedade velha, o direito, deve ser superado. Como parte do passado, o direito também deve ser dissolvido para que o futuro – isto é, o novo – possa tomar o seu lugar.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 17/08/2011.]

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