quinta-feira, 11 de agosto de 2011

[Crítica Social] Sobre o “dia do orgulho heterossexual”

SOBRE O “DIA DO ORGULHO HETEROSSEXUAL”

[...] conscientizar e estimular a população a resguardar a moral e os bons costumes.” Eis o que, segundo um dos artigos do projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo na última semana, constitui o objetivo da instituição de um “dia do orgulho heterossexual”. Isto, por si só, deveria dispensar qualquer comentário – porque comentar o absurdo completo parece sempre um enorme desperdício de tempo e esforço –, mas, ao que parece, esta peça da mais absoluta falta de sentido parece fazer ainda sentido para parte significativa dos nossos representantes políticos...
 
Se o “orgulho heterossexual” – que, é evidente, só faz sentido em oposição ao seu “inverso”, o orgulho homossexual – visa estimular “a moral e os bons costumes”, então a homossexualidade, por este distorcido ponto de vista, implica imoralidade e constitui um “mau costume”, um costume abjeto. Ora, o “dia do orgulho heterossexual” então traz em si imediatamente uma carga inaceitável de preconceito.
 
No plano jurídico, mesmo a ponderação técnica mais primária não pode concluir, a não ser que apele a argumentos muito falaciosos, senão pela completa inadmissibilidade da introdução de um tal preconceito por meio de uma norma jurídica. A igualdade jurídica e mais uma dúzia de outros princípios fundamentais foram vilipendiados. A dignidade humana de todos os que não partilham o “orgulho heterossexual”, taxados pelo texto normativo de imorais, foi atacada de forma insustentável: a norma introduz uma distinção de status juridicamente absurda.
 
Mas o aspecto jurídico definitivamente não é o mais importante. O “dia do orgulho heterossexual” tem um significado hediondo para muito além da sua inconstitucionalidade ou ilegalidade. Trata-se de uma resposta clara e direta de setores políticos abertamente conservadores contra os pequenos progressos lenta e arduamente conquistados pelos homossexuais ao longo dos últimos anos. Uma resposta moralista e retrógrada que insiste, conseqüente ou inconseqüentemente, em incentivar a brutalidade e a estupidez da homofobia e que se opõe de modo frontal mesmo aos passos mais iniciais no reconhecimento jurídico e, sobretudo, social dos homossexuais.
 
É quase sem sentido, no fim das contas, falar em “orgulho heterossexual” numa sociedade em que a discriminação contra os homossexuais é ainda tão forte, em que a minoria ainda tem que lutar pelo mínimo. É a paranóia da “maioria perseguida” que, diante do menor ensaio – ainda francamente insuficiente, ressalte-se – de integração da homossexualidade, reage odiosamente pela manutenção da discriminação, pela manutenção da exclusão (inclusive por meio do direito) – em suma, pela manutenção da velha sociedade da “moral” e dos “bons costumes” em que não há lugar senão para os dominantes.
 
[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 10/08/2011.]

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