quinta-feira, 25 de agosto de 2011

[Crítica Social] “Be happy”

“BE HAPPY”

Deixar de preocupar-se com o “ter” – com o trabalho, com a conta bancária, com os “bens materiais” etc. – para colocar todas as atenções em “ser” – em “ser feliz”, sobretudo. Isto, sem dúvida, faz lembrar uma famosa música do final da década de 1980 – “Don’t worry, be happy” –, mas incrivelmente é algo que se leva a sério, em alguns casos muito a sério: há quem pense que se trata da solução para grandes mazelas contemporâneas da vida de cada um de nós.

Do ponto de vista de alguém que pudesse viver fora deste mundo, estaria aí dada mesmo uma excelente idéia: despreocupar-se de tudo, deixar tudo que é desagradável de lado e, finalmente, ser feliz. Mas ninguém pode viver fora deste mundo, portanto deixar de preocupar-se com as necessidades materiais mais básicas não pode ser uma questão de mera escolha, uma questão individual, mas algo que só se pode compreender socialmente.

Para a esmagadora maioria da população que sobrevive do próprio trabalho e que “tem” apenas o suficiente para sobreviver, ou ainda menos do que isso, a “infelicidade” de preocupar-se, enquanto a “felicidade” torna-se cada vez mais distante, é inescapável. No fim das contas, só quem pode se dar ao luxo de não se preocupar, de escolher viver a vida sem tais tormentos, é a ínfima minoria que dispõe de muito mais do que o suficiente, que já tem a vida ganha independentemente de qualquer sacrifício dos próprios ossos, músculos e nervos.

Mais ainda, a relação entre esta maioria que é constrangida a fazer as contas para saber se o salário será suficiente para o mês (e isto ainda se tiver salário) e esta minoria que dispõe do privilégio de “não se preocupar e ser feliz” não é casual. A estrutura produtiva sobre a qual a sociedade presente está erigida não permite outro arranjo: uma maioria de despossuídos precisa ser explorada para a multiplicação contínua do capital, da qual se beneficia uma minoria. É, portanto, esta mesma estrutura produtiva, que já distribui de maneira sumamente desigual os produtos do trabalho humano, que distribui de maneira também desigual o “privilégio” da “felicidade”. A incapacidade compreender isto ou o anseio deliberado por esconder esta realidade são os dois únicos meios pelos quais se torna possível levar a sério o “be happy” e seu discurso vazio.

Assim, esta propaganda da “felicidade” como uma opção de vida, resultado de mera escolha e esforço individuais, é não apenas uma idéia equívoca, porque desconectada a realidade em que aparece, mas também perversa. Ao supor que todos dispõem equitativamente do privilégio assegurado apenas a uns poucos, propagandeia à maioria que a sua infelicidade é produto de suas escolhas erradas ou de sua falta de empenho – quando, na verdade, é uma imposição social que o indivíduo, por sua simples vontade, não pode superar. Propagandeia mentirosamente a possibilidade universal de uma “vida feliz” que, na verdade, neste mundo de desgraça e miséria, só pode existir para muito poucos.
 
[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 24/08/2011.]

Nenhum comentário: