quinta-feira, 14 de julho de 2011

[Crítica Social] Qualidade do ensino ou elitismo?

QUALIDADE DO ENSINO OU ELITISMO?

A Ordem dos Advogados do Brasil divulgou na última semana o resultado do seu último exame de admissão, o pior da história: cerca de 90% dos candidatos foram reprovados.

O índice de reprovação é, sem dúvida, preocupante. O exame da OAB não é o melhor parâmetro para avaliar a qualidade dos cursos jurídicos – o que a prova avalia é apenas a aptidão do candidato para uma específica carreira técnica-jurídica, a de advogado –, mas a reprovação astronômica indica problemas. Por outro lado, não pode haver surpresa: este resultado é a conseqüência imediata da expansão mercantil dos cursos jurídicos, sem qualquer preocupação com a manutenção da qualidade minimamente necessária ao ensino.

Surpreendente mesmo foi a coluna da Folha de São Paulo em que o jornalista Gilberto Dimenstein comenta o desempenho da Faculdade de Direito da USP no exame (4º melhor do país, 63,4% de aprovação), da qual tomo a liberdade de reproduzir um parágrafo:
Sinceramente, a escola mais renomada de direito do país ter esse resultado é um motivo de preocupação. Afinal, muitos de seus alunos, ao contrário das instituições privadas, fizeram um vestibular duro, vêm de boas escolas do ensino médio e são de famílias mais abastadas.
[www.folha.uol.com.br/colunas/gilbertodimenstein/939701-a-usp-nao-deveria-estar-envergonhada.shtml]
Não há dúvida de que a USP deve se preocupar com o desempenho de seus estudantes no exame da OAB – assim como, é claro, todas as demais faculdades de direito do Brasil. Mas também é certo que a USP e todas as demais devem se preocupar com outros quesitos importantes para a qualidade do ensino jurídico, quesitos que não entram em consideração no exame da OAB.

Não há dúvida, no mais, de que a inversão pela qual os estudantes provenientes das classes sociais “abastadas” acabam freqüentando universidades públicas enquanto aqueles provenientes das classes sociais mais pobres freqüentam instituições privadas é terrível e absurda. Mas a “solução” para isto encontrada pelo governo brasileiro desde a década de 1990, sobretudo sob os mandatos do PSDB, tem sido a pior possível: a expansão da rede privada, com o “barateamento” dos cursos superiores e o conseqüente desmoronamento da qualidade do ensino – e os “recordes” de reprovação do exame da OAB são apenas uma demonstração disto.

No entanto, ao que parece, a preocupação do colunista da FSP não exatamente diz respeito a isto. O que o texto parece visar denunciar é que estudantes que cursaram “boas escolas” (leia-se: particulares e caras) e provêm de “famílias abastadas”, ou seja, estudantes provenientes da elite brasileira estão sendo prejudicados por uma universidade pública que lhes oferece resultados apenas medianos no exame da OAB. O problema, então, não é alta reprovação em si, mas a classe social a que pertencem os reprovados. Em outras palavras, por trás de uma suposta preocupação com a qualidade do ensino superior brasileiro, o que se vê é apenas mais do mesmo elitismo que infecta as camadas “mais abastadas” da sociedade brasileira desde sempre. Este, sem dúvida, não é o caminho da solução dos problemas do ensino jurídico, mas o exato oposto.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 13/07/2011.]

Um comentário:

Marília disse...

Agora percebo a minha santa ignorância, pois eu não havia julgado a reportagem por este prisma. Nem me passou pela cabeça que na verdade o repórter somente preocupou com o desempenho da classe elitista no exame da OAB.