quinta-feira, 7 de julho de 2011

[Crítica Social] Ajustes e desajustes

AJUSTES E DESAJUSTES

A sociedade presente deixa para trás muito pouco que não ajuste perfeitamente a si própria. Pouco há que não sucumba ante os limites, as formas, os ideais e as engrenagens deste mundo, pouco há que esta sociedade não arraste consigo num turbilhão de conformismo e cegueira e, assim, pouco há que lhe ofereça ainda qualquer resistência. O lugar dos desajustados é sempre cada vez menor.
 
Quem pode, afinal, resistir ao movimento de uma sociedade inteira, movimento para o qual, no interior desta sociedade mesma, não existe alternativa? Quem pode contrariar o que, no presente, não tem contrário? Quem pode não se conformar se esta forma é a única? Quem pode colocar-se para fora se há apenas o lado de dentro?
 
Quão poucos são aqueles que, a despeito de tudo, não se contentam, que não se entregam docilmente ao jogo das grandes forças e dos grandes interesses que manipulam este tempo e que preferem ainda a angústia, mesmo que silenciosa e impotente, da recusa. Mas mesmo entre estes poucos, quem pode resistir às pequenas falsas esperanças e às pequenas esmolas eventualmente oferecidas? Quem pode sacrificar os anseios pessoais, os interesses privados ou mesmo a própria felicidade à radicalidade de uma oposição sem perspectivas, sem chances minimamente razoáveis de sucesso imediato?
 
A ilusão do progresso, num mundo que caminha vorazmente à degradação. A retórica dos direitos humanos, num mundo que não pode dispensar uma coisificação absoluta dos homens. A sedução da democracia, num mundo em que a maioria não pode ser senão subjugada por uma minoria. As mentiras todas que não cumprem senão o ajuste fino dos desajustados, que colocam o próprio inconformismo a serviço da conformidade à realidade dada. Mas quem pode resistir à tentação? Quem está realmente disposto a tanto?
 
Qual a fronteira entre ajuste e desajuste no grande abatedouro de homens que é a sociedade capitalista? A única conclusão conseqüente a que alguém pode chegar é a de que não há nada que se possa fazer para transformar o mundo. Quem será insano o suficiente para, ainda com esta conclusão em mente, continuar a se opor? Quem será insano o suficiente para, na contracorrente de tudo que há neste mundo, declarar-se e manter-se em oposição?
 
E que esperança restará a este mundo se insanidade necessária para isto finalmente se acabar?


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 06/07/2011.]

Nenhum comentário: