quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

[Crítica Social] Maioria perseguida

MAIORIA PERSEGUIDA

Sempre que alguém ousa remar contra a correnteza e falar a favor de qualquer minoria, sempre que alguém ousa questionar os padrões dominantes, não faltam protestos – em geral raivosos e irracionais – por parte da maioria que se sente “ameaçada”. Estranho, no entanto, que esses protestos não raro apareçam sob a forma de uma absurda e forçada “vitimização” – como se a alguns dos porta-vozes da maioria, diante dos argumentos pró-minorias, quisessem inverter a posição da vítima para dela tirar proveito.

O teste é simples. Basta, por exemplo, falar, em qualquer contexto, contra o racismo ou contra a homofobia. Não tardará até que alguém reclame que a maioria branca, católica e heterossexual está sendo ofendida, que não estão respeitando o seu espaço ou os seus “direitos” etc. Não é incomum mesmo que esta “vitimização” arbitrária descambe numa insensata teoria da conspiração, como se alguma trama prodigiosa pela supressão do “direito” a ser branco ou católico ou heterossexual estive em jogo. Logo a maioria branca, católica e heterossexual é apresentada como “perseguida” e as minorias, quaisquer que sejam, como suas algozes.

Ora, uma maioria perseguida? Isto sequer faz sentido? Uma maioria perseguida não seria mesmo maioria. E não se trata aqui, é evidente, de uma maioria em sentido numérico – os donos do capital, por exemplo, são pouquíssimos diante da massa dos trabalhadores. A maioria é maioria porque os seus valores são os dominantes, a sua régua é a medida da sociedade, os seus padrões estabelecem o centro a partir do qual se desenha o círculo. São tais padrões que, afinal, determinam o normal e o anormal, o incluído e o excluído. A maioria assim, não é perseguida, nem pode sê-lo.

No mais, o que seria – se fosse – esta “perseguição” da maioria? Negros, homossexuais, minorias religiosas e quaisquer outras sofrem discriminação, exclusão, violência. Mas a maioria que se alega “perseguida” parece ter apenas um motivo para protestar: a simples existência de grupos divergentes. O que “ameaça” a maioria é, portanto, a simples ousadia em divergir, a simples possibilidade da diferença, o simples questionamento. Isto, no fim das contas, apenas confirma a maioria como maioria – e a sua incapacidade de lidar com a diferença contribui para explicar, por outro lado, por que há minorias.

O que mais se pode esperar? Que os ricos se apresentem como vítimas diante da própria riqueza? Que o patrão seja vítima de seus empregados? Não surpreende, na verdade, que a estratégia de transformar opressor em oprimido funcione como parte do arsenal ideológico dos grupos dominantes. Mas o argumento reacionário não elide a realidade fundamental: os divergentes existem – e, enquanto existirem, enquanto houver descontentes, a tranqüila continuidade deste mundo dominado estará sempre em risco.

[Texto inspirado pelo inteligente - pelo menos em parte - vídeo de PC Siqueira: www.youtube.com/watch?v=cXciiN9fGs8.]

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 09/02/2011.]

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