quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

[Crítica Social] A democracia no Egito

A DEMOCRACIA NO EGITO

Em tempos de imobilismo político, de conformismo e passividade, em que os grandes movimentos de massa parecem ter desaparecido e em que a esquerda parece ter desistido de suas mais altas pretensões, a mobilização popular no Egito parece ser mesmo algo a exaltar. Há, sem dúvida, algo de admirável no povo de pé, unido, exigindo transformações políticas. A real extensão das suas conquistas políticas, no entanto, há de ser ponderada com mais cuidado.

É certo que manter ao longo de 30 anos o mesmo governante não é algo salutar para política alguma. Mais ainda se considerarmos o caráter conservador deste governo e os seus compromissos – nem sempre declaráveis – com o imperialismo norte-americano. Mas a renúncia de Hosni Mubarak não pode ser interpretada, por si só, como uma mudança profunda em benefício do povo do Egito.

Ainda que obtida a certo custo, não se pode desconsiderar o papel da grande mídia internacional, bem como as pressões de potências estrangeiras, na renúncia de Mubarak. E, acima de tudo, não se pode esperar que uma simples substituição do governante resulte em algo efetivamente favorável à população. Não está eliminado sequer o risco, que não pode mesmo ser ignorado, dos desdobramentos da queda de Mubarak conduzirem a algo ainda pior. De todo modo, se a mesma elite permanecer no poder e se não houver qualquer modificação política estrutural, os protestos na Praça Tahrir terão sido, ao fim, praticamente em vão.

Analisando concretamente, tudo indica que o resultado das agitações políticas no Egito será, na melhor das hipóteses, a instauração de uma democracia formal, uma democracia nos padrões ocidentais. Eleições periódicas, mandato presidencial limitado, um parlamento funcional etc. As forças políticas dominantes, tanto internas quanto externas, não permitirão, afinal, mais do que isto.

Mas a democracia formal é o suficiente? Isto basta para caracterizar uma “revolução popular”? Certamente não. A democracia formal tende apenas a fornecer legitimação ao mesmo jogo políticos das classes dominantes, para perpetuação dos mesmos grupos atualmente no poder. Não é, nem pode ser, uma autêntica forma de poder popular. Não é, nem pode ser, o objetivo final de um movimento autenticamente revolucionário.

O movimento popular no Egito deveria servir de exemplo para a mobilização de outros levantes, outros protestos pelo mundo. Deveria servir de exemplo para as tantas outras exigências que as massas têm para opor ao domínio das mesmas elites, do mesmo capital. Mas o termo há de ser outro. A mobilização não pode cessar por migalhas, não pode se bastar com conquistas menores. A democracia no Egito não é o símbolo da vitória da revolução, mas o símbolo de uma revolução que não foi levada a cabo.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 16/02/2011.]

Um comentário:

Evandro de Oliveira Tinti disse...

Parabens por este e pelos demais textos professor Kashiura, sempre leio no O Regional. tenho muito orgulho de ter conhecido você, abraços.