quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

[Crítica Social] Consumir conscientemente para consumir mais

CONSUMIR CONSCIENTEMENTE PARA CONSUMIR MAIS

Ecologicamente correto. Reciclável. Socialmente responsável. A sociedade da glorificação do consumo encontrou a solução final para o politicamente correto: transformou-o em moda e adicionou mais um elemento à poderosa maquinaria que empurra o indivíduo ao consumo.

A solução não poderia ser outra. Mesmo quando a desmedida do consumo ameaça o esgotamento dos recursos naturais do planeta, a sociedade presente não pode responder de outro modo senão transformando a desgraça em mais consumo. O consumo desmedido é apresentado como o grande problema, mas o discurso politicamente correto da salvação do planeta é cuidadosamente invertido em publicidade para consumir ainda mais.

“Compre X porque é feito com material reciclado.” “Compre Y porque é feito com fibras naturais.” “Compre Z porque é produzido de modo sustentável.” De tudo, o que realmente importa é o “compre”. O mundo vai acabar porque compramos demais – a solução: compre mais! Então a necessidade de frear o consumo, a imposição de destruir o império do consumismo, tudo se resolve da maneira exatamente contrária. E o mundo segue a toda velocidade rumo ao colapso.

Isto é possível porque o discurso politicamente correto, ao limitar-se à forma de apelo à consciência individual, abdica da possibilidade de desvelar as reais causas do problema e, assim, abre brecha para a sua própria inversão. O que, em nenhuma hipótese, este discurso considera é que as mazelas causadas pelo consumismo desmedido não são determinadas pela simples ânsia por comprar, tampouco pela falta de consciência por parte dos consumidores. As suas raízes são muito mais profundas: estão calcadas na estrutura produtiva cujo objetivo único é multiplicar o capital.

Ora, uma vez que a produção capitalista não visa diretamente atender necessidades humanas, uma vez que a sua organização não é dada senão pelo lucro, a desmedida do consumo é um de seus fatores-chave. O consumo desmedido é a realização contínua do valor captado pela exploração do trabalho, é a realização contínua da multiplicação do capital. No outro extremo, porém, é a desmedida exploração dos recursos ambientais. Não é possível, no interior desta formação social, barrar a multiplicação do capital – por isso o esgotamento ambiental que aparece como ameaça não pode ser senão revertido em multiplicação acelerada. Entre o fim do mundo e o lucro, o capital não pode escolher senão o fim do mundo.

Enquanto não concentrarmos a produção naquilo que é realmente necessário aos homens, de modo a reduzir a utilização dos recursos naturais àquilo que realmente importa, a ameaça do esgotamento natural não será superada. Enquanto não deixarmos de desperdiçar forças humanas e recursos naturais em quinquilharias infinitas e imprestáveis que, no entanto, são compradas freneticamente, nada mudará. Não se trata, pura e simplesmente, de mudar o consumo. Trata-se de transformar o modo pelo qual toda uma sociedade se organiza para produzir.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 02/02/2011. REVISTA TEM (Dracena-SP), abril/2011.]

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