quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

[Crítica Social] Sobre a agressão no metrô de São Paulo

SOBRE A AGRESSÃO NO METRÔ DE SÃO PAULO

Ao longo dos últimos dias, foi destaque nos telejornais um vídeo, gravado via celular, em que, dentro de um vagão do metrô de São Paulo, duas mulheres se agridem por conta de um assento preferencial indevidamente ocupado. O vídeo é, de fato, chocante – menos, porém, do que a grande mídia parece pretender. Qualquer usuário regular do sistema de transporte público da capital paulista – ou seja, a maior parte da sua população de mais de 11 milhões de habitantes, sobretudo aqueles que pertencem às classes menos favorecidas – não terá um grande espanto, pois sabe que este tipo de acontecimento não é incomum.

É compreensível, pensando por este mesmo ponto de vista, que os senhores e senhoras que decidem a pauta dos grandes noticiários, que determinam o que será notícia e o que será destaque, desconheçam o sistema de transporte público. Desconhecem, afinal, um sistema de transporte que simplesmente não utilizam. Tanto assim que, até agora, as especulações sobre os motivos da agressão têm se restringido a superficiais, quando não patéticos, discursos sobre a falta de cordialidade ou de “educação”, a falta “espírito cristão” ou mesmo o “estresse” excessivo causado pelo ritmo frenético das compras de final de ano.

Isto tudo talvez fizesse sentido para uma briga eventualmente flagrada num metrô da Suécia ou de algum outro país com alto índice de desenvolvimento humano. E faria sentido num lugar desses porque muito provavelmente os usuários do transporte público não estariam abarrotados num vagão superlotado, não teriam esperado demasiadamente por um transporte que não é nem barato nem eficiente, não teriam que se deslocar por horas todos os dias, duas vezes por dia pelo menos, entre a residência nos limites da periferia e o local de trabalho no centro. Seria, então, de se perguntar se a briga eventualmente flagrada teria sido motivada por qualquer fator meramente subjetivo, pessoal, idiossincrático. Mas por trás da briga no metrô de São Paulo há inúmeras questões objetivas que a TV, por seus próprios interesses, simplesmente não cogita.

A lógica do transporte público nas grandes cidades brasileiras é, na verdade, a mesma do transporte bovino. Tudo que importa é carregar o maior número possível de passageiros dentro do menor espaço, com o menor custo operacional possível. Conforto, tempo de viagem despendido, nada disso é minimamente relevante do ponto de vista de quem administra o sistema. Tudo que importa é permitir que a mão-de-obra chegue até o local de trabalho – como o gado até o abatedouro. A única diferença é que o gado humano ainda retorna, ainda faz a viagem de volta para casa, para um descanso mínimo, não mais do que suficiente para agüentar-se de pé no dia seguinte – porque, afinal, o abate do gado humano é lento, gradual, é feito dia após dia, por anos a fio.

Que, numa tal situação de desgaste físico e mental, numa tal situação de indignidade, as pessoas às vezes, por qualquer bobagem, percam a cabeça é o mínimo que se pode esperar.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 29/12/2010.]

Nenhum comentário: