domingo, 5 de dezembro de 2010

[Crítica Social] O bem contra o mal

O BEM CONTRA O MAL

Rio de Janeiro em guerra. Soldados com fuzis por todos os lados. Blindados subindo o morro. Helicópteros em vôo rasante. É assim que a TV, ao vivo e ininterruptamente, vende um espetáculo de violência rigorosamente planejado que tomou por palco algumas das áreas mais marginalizadas de uma das maiores cidades do Brasil. E, mais ainda, a TV vende o espetáculo com os personagens já muito bem traçados: trata-se, dizem-nos, de uma luta do bem contra o mal.

O inimigo é o tráfico de drogas, o crime organizado, os “bandidos”. A TV parece regozijar-se ao mostrá-los fugindo, derrotados, sendo baleados enquanto correm. É a derrocada do mal – e então o telejornal incansavelmente mostra os depoimentos da população local, os “cidadãos de bem” que “por acaso” também habitam as comunidades invadidas, demonstrando o seu enorme contentamento com a ação militar. O triunfo do bem, afinal, há de ser comemorado.

Mas o que há para comemorar? Quem, na realidade, ganha com a vitória do BOPE, da “Tropa de Elite”? Ora, o que visão moralizante, simplificadora e sensacionalista da grande mídia ignora – e faz ignorar – por completo são as causas. Ao apresentar o traficante como o lado “mau” e, ao contrário, as “forças da ordem” como o lado “bom”, as questões mais importantes são apagadas: Por que o traficante é traficante? E por que as “forças da ordem”, depois de tanto tempo de conivência, têm agora que invadir e esmagar o tráfico de drogas?

Ninguém se torna traficante simplesmente porque é “mau”. Uma inclinação moral subjetiva não poderia explicar um fenômeno tão complexo e extenso, sobretudo na realidade do Rio de Janeiro. A explicação só pode ser dada em função de uma completa falta de perspectivas imposta por uma absurda condição de exclusão social. Se, portanto, o tráfico é um “problema”, a sua solução de modo algum pode a eliminação física do traficante. Pois a morte ou prisão dos traficantes, a sua expulsão do morro, enfim, isto que a TV vende como um “triunfo militar” em nada contribui para o fim do tráfico. As condições sociais que empurram jovens para o tráfico – a enorme desigualdade social, a discriminação, a criminalização da pobreza etc. – continuam intactas.

Então a vitória certamente não é das comunidades invadidas, porque a sua condição marginalizada continuará a mesma, a discriminação social de que são vítima seus moradores não será reduzida. Certamente não é da sociedade brasileira como um todo, porque a sua desigualdade espantosa não será minimamente reduzida sob a ação dos fuzis da polícia. A vitória é de alguns poucos interesses poderosos que, neste momento, desejam “ordem”. E só.

No fim, com a batalha ganha, policiais hastearam as bandeiras do Brasil e do Rio de Janeiro no alto do morro. A cena, é claro, lembra a famosíssima fotografia da bandeira dos EUA sendo hasteada no topo do Monte Suribachi, após a vitória norte-americana em Iwo Jima, durante a II Guerra Mundial. Os dois eventos, porém, têm algo mais em comum: foram ambos fraudes.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 01/12/2010.]

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