domingo, 19 de dezembro de 2010

[Crítica Social] 24 contra 190

24 CONTRA 190

A Receita Federal anunciou nos últimos dias que espera receber, no início do ano que vem, cerca de 24 milhões de declarações de Imposto de Renda. O número, claro, parece bastante expressivo à primeira vista. Mas isto muda completamente de figura se pensarmos que, segundo dados oficiais do censo mais recente, a população brasileira é superior a 190 milhões de pessoas. Fazendo um cálculo simples, não se espera que mais do que 12% da população brasileira faça a declaração de Imposto de Renda.

Se levarmos em consideração que deverá declarar o imposto quem obtiver ao longo de 2010 rendimentos pouco superiores a 22 mil reais – ou seja, um rendimento mensal de cerca de 1800 reais –, resta claro que não se espera que mais do que 12% da população brasileira tenha um tal nível de renda. Um salário de 1800 reais não é, por certo, insignificante, mas também não parece tão exorbitante a ponto de ser acessível apenas uma ínfima parcela de pouco mais do que um décimo da população. Mais, não parece tão exorbitante se considerarmos que, segundo as estimativas do DIEESE, o salário mínimo, para atender a todas as necessidades para as quais deveria ser suficiente (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social para o trabalhador e sua família, segundo o art. 7º da Constituição Federal), deveria ser algo em torno de 2000 reais.

Traduzindo, em termos os mais simples imagináveis, tudo o que se espera é que a esmagadora maioria da população brasileira não tenha acesso, pelo menos não de maneira legalizada, aos rendimentos suficientes sequer para o mínimo vital. Os números, é evidente, podem ser imprecisos. Os cálculos, os dados, as estatísticas, por si sós, não significam mesmo nada. Mas o que se aponta aqui é uma realidade fundamental e inegável: a assombrosa desigualdade da sociedade brasileira, a assombrosa polarização que faz com que aqueles que dispõem dos rendimentos mínimos suficientes pertençam a uma minoria de privilegiados.

Quanto, pergunto-me, esta realidade é mascarada? Quanto a percepção desta desigualdade é obstruída? Pois é certo que ninguém gosta de declarar – e, muito menos ainda, de pagar – o Imposto de Renda: mas será que esses 24 milhões de contribuintes, esses 12% da população brasileira, têm exata consciência da sua condição? Será que a imensa maioria da população que está “abaixo” da faixa do Imposto de Renda tem consciência da sua própria força e de quanto, pela sua ação política, poderia transformar esta realidade? Que isto assim prossiga é um absurdo. Que a imensa massa dos explorados consinta indefinidamente com uma tal submissão é algo que não se pode aceitar.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 15/12/2010.]

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