domingo, 14 de novembro de 2010

[Crítica Social] Sobre a pobreza e o seu desconhecimento

SOBRE A POBREZA E O SEU DESCONHECIMENTO

Será que o leitor paulistano tem idéia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200?” A pergunta é parte de um texto de Maria Rita Kehl, publicado ainda durante a campanha eleitoral presidencial no Estado de São Paulo – texto que, diga-se, custou a demissão da autora do cargo de colunista daquele periódico abertamente conservador. Os 200 reais em questão dizem respeito ao programa Bolsa-Família.

Pois bem, insisto: será que o brasileiro de classe média, especialmente do sudeste e do sul do país, tem idéia do que significa ser miserável? Será que, da sua posição social, ele consegue compreender o que é a pobreza e a sua real dimensão na sociedade brasileira?

Para quem nunca sofreu com a carência das coisas mais elementares, talvez nunca tenha surgido a oportunidade de compreender que mesmo o mínimo essencial – o alimento, a água, a vestimenta, o teto, o transporte, a higiene etc. – só podem ser obtidos com dinheiro. E quem não é proprietário – de terras, máquinas, estabelecimentos comerciais etc. – não tem outra maneira de obter dinheiro (e, portanto, tudo mais que é indispensável à sua sobrevivência) senão vendendo o próprio trabalho. O que acontece, então, com aqueles que, no “mercado de trabalho”, não conseguem vender o próprio trabalho ou só conseguem vendê-lo em condições marginais, como uma “mercadoria de segunda”? Ora, o que acontece é a pura e simples incapacidade de custear mesmo as suas próprias condições elementares de subsistência.

A classe média costuma atribuir esta condição “desfavorecida” a causas morais: é porque alguns indivíduos não têm “vontade”, não “se esforçam”, não “lutam” que vivem na pobreza. Mas mesmo que todos queiram e se esforcem, há oportunidades para todos? A formação econômica em que vivemos oferece esta possibilidade? Na verdade, não. Não há “lugar ao sol” para todos. A condição indispensável para a riqueza ou, pelo menos, a boa vida de alguns é a miséria de muitos – esta desigualdade é estruturalmente necessária na sociedade presente.

Não é minimamente razoável, portanto, atribuir ao próprio pobre a responsabilidade pela sua pobreza. Não é minimamente razoável imaginar que a pobreza é algo de “natural”, deste modo, irremediável. Há, sem dúvida, um profundo desejo da classe média e dos grupos privilegiados em geral de ignorar a situação penosa de quem é miserável e, em especial, a dimensão social da miséria no Brasil. A auto-ilusão, porém, não pode sobreviver por mais de dois minutos diante da dura realidade social em que – querendo ou não – vivemos. A perpetuação de níveis absurdos de pobreza é uma chaga profunda da sociedade brasileira. Nossa desigualdade social está entre as maiores do mundo. Enfrentar isso é inquestionavelmente uma missão urgente.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 10/11/2010.]

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