domingo, 27 de junho de 2010

[Crítica Social] Estatuto da igualdade racial – 10 anos depois

ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL - 10 ANOS DEPOIS

Decorridos, ao todo, mais de 10 anos de discussão e cerca de 9 meses desde a aprovação pela Câmara dos Deputados, o Estatuto da igualdade racial finalmente venceu, na última quarta-feira, a última etapa de sua tramitação no legislativo federal, tendo sido aprovado em votação plenária pelo Senado. O texto aprovado é, no entanto, bastante diferente daquele originalmente apresentado, na forma de projeto, pelo deputado Paulo Paim em junho de 2000: o “preço” pago pela aprovação pelo Congresso Nacional acabou sendo a eliminação de um alguns de seus dispositivos mais avançados e mais importantes.

Alterou-se, por exemplo, a determinação de que a propriedade das terras que abrigam remanescentes de quilombos seja devidamente atribuída às comunidades que tradicionalmente as ocupam. Suprimiu-se, a esse respeito, a especificação do processo administrativo que daria efetividade à norma legal – o que significa, na prática, que a lei já nasce como “letra morta”. A exigência partiu da assim chamada “bancada ruralista” do Congresso, obviamente interessada na perpetuação da absurda distribuição fundiária brasileira, mas as conseqüências atingem sobretudo uma parcela absolutamente desprivilegiada da população, vítima de escancarada violência institucional desde os mais remotos tempos da escravidão e, ainda hoje, mais de 120 anos depois da abolição, juridicamente excluída. Os itens suprimidos poderiam contribuir para superar tal situação marginal das comunidades quilombolas – outros interesses, porém, “tiveram” que prevalecer.

Mais ainda, suprimiu-se praticamente todo o sistema de ações afirmativas que constituía o núcleo do projeto apresentado em 2000. O texto definitivo manteve apenas uma designação genérica – sem fixar mecanismos, percentuais ou prazos – de cotas para a população negra nas instituições públicas federais de ensino. O projeto original, no entanto, previa um sistema de cotas muito mais completo e determinado, com percentual mínimo de 20% em todos os concursos públicos (federais, estaduais e municipais) e em todas as instituições de ensino superior (públicas e privadas), bem como em todas as empresas que tivessem mais de 20 empregados.

Ora, é bem verdade que as cotas não são unanimidade, mas é inquestionável que, a curto prazo, constituem o mecanismo jurídico de ação mais eficaz e que mais diretamente atinge o problema gravíssimo da desigualdade histórica da população negra brasileira. A supressão de um tal mecanismo não se deu após um debate público sério e abrangente sobre a questão, mas exatamente para evitá-lo, quero dizer, através de um melindre político cujo objetivo não foi outro senão evitar o envolvimento direto da população na discussão. Assim, o Estatuto da igualdade racial, que poderia ser um instrumento importante na luta pela inclusão da população negra brasileira, em verdade só pôde tornar-se lei após o seu desmonte. A inocuidade antecipada, filhote do temor de qualquer transformação mais profunda, parece ser o preço a pagar por qualquer tentativa de avanço.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 23/06/2010.]

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado