sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

[NJ] Agricultor, terra e capital (Uma homenagem)

AGRICULTOR, TERRA E CAPITAL
(Uma homenagem)


Talvez não haja, em toda a extensa cadeia produtiva capitalista, figura mais “antiquada” do que a do pequeno agricultor. Refiro-me àquele que dispõe de uma pequena área de terra – porque proprietário, arrendatário etc. – e produz em pequena escala, de modo quase artesanal, lidando diariamente com a terra, com a sua plantação, com os seus animais.

A situação do pequeno agricultor é, na realidade, pouco melhor que a do produtor direto (o trabalhador braçal, o operário etc.). O elemento diferenciador é a posse dos meios de produção, no caso a terra e alguns poucos instrumentos rústicos. Mas o modo pelo qual o pequeno agricultor coloca em movimento os seus meios de produção é avesso ao modo que o capitalismo avançado exige. Falta-lhe dinamismo, avidez de lucro...

Vejamos. Por um lado, a agricultura industrial, a agricultura em grande escala que assimilou as técnicas empresariais, produz essencialmente para o mercado, focada no valor de troca de seus produtos e voltada à maximização de lucros. No outro extremo, o pequeno agricultor produz tanto para si quanto para o mercado (em geral, só excedentes), produz sozinho ou com a família, produz com foco no valor de uso (um tomate vale como tomate e uma cenoura, como cenoura, não como meros preços) e seu lucro ou não existe ou é mínimo.

O pequeno agricultor, no mais, mantém com a terra, através de seu trabalho, um vínculo concreto. Seu trabalho diverge, em alguma medida, do trabalho abstrato típico, subjugado e alienado em prol do capital. Orgulhoso, ele pode, por exemplo, observar as hortaliças colhidas e saber que são o produto de suas mãos e de seu suor. Pode saber que seu esforço resultou em utilidades – alfaces e rabanetes para saciar a sua fome e a de outros homens. Pode, como homem concreto, reconhecer a si próprio nos produtos concretos de seu trabalho.

Por isso, nas sociedades capitalistas avançadas, o pequeno agricultor é um símbolo do “atraso”. Para usar uma analogia clara, o pequeno agricultor é visto como uma “espécie primitiva” que sobreviveu, sabe-se lá porquê, em meio às “espécies avançadas”. Estas querem a todo custo devorá-lo. E o devoram, de fato, através de um círculo vicioso que torna o pequeno agricultor cada vez mais dependente do grande capital.

Em primeiro lugar, porque o setor agrícola como um todo sofre pressão constante do capital em geral para reduzir suas margens de lucro. Interessa, afinal, que os alimentos e os produtos essenciais à sobrevivência dos trabalhadores não custem tanto, para que os capitalistas não precisem aumentar-lhes o salário. E, é evidente, esta pressão é sentida sempre mais forte precisamente pelos mais fracos: ao forçar para baixo o preço dos produtos rurais, quem perde mais é precisamente quem ganha menos.

Em segundo lugar, porque a pequena agricultura foi feita incapaz de produzir independentemente do setor financeiro. O agricultor se tornou refém dos bancos, com seus empréstimos, sem os quais não consegue iniciar um novo ciclo de plantio e, ao fim do qual, pouco resta que os juros não tomem.

Na sociedade capitalista produtivista, consumista, financista, o pequeno agricultor é a contramão, por isso é permanentemente marginalizado e ameaçado de extinção. Mas quando, numa sociedade futura, a opressão do capital tiver chegado ao fim, ficará claro que a sua resistência valeu a pena – porque criou raízes e frutificou.

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Esta é a minha singela homenagem àquele que, para mim, é a figura viva do agricultor. Refiro-me a Shoichi Kashiura, meu avô, que completa 80 anos neste início de 2009. Nascido em Saitama-ken, Japão, em 16 de janeiro de 1929, Shoichi emigrou para o Brasil em 1932, com os pais. Passou a infância no Pará e, há quase 70 anos, reside no interior do estado de São Paulo – mais de 50 anos dos quais na região de Dracena.

Patriarca do clã Kashiura, Shoichi dedicou quase toda a vida à agricultura, vida que constitui, assim acredito, perfeito exemplo, por um lado, das agruras enfrentas pelo pequeno produtor rural e de outro, da beleza de seu enraizamento vital com a terra – em seu caso, bem à maneira da tradição japonesa. Omedetō, ditchan!

[Publicado no JORNAL DIÁRIO de Dracena-SP em 11/01/2009.]