quarta-feira, 18 de junho de 2008

[NJ] Saitamakenjin no Brasil

SAITAMAKENJIN NO BRASIL

Já há um ano e meio ocupo mensalmente este espaço do Diário Novo Jornal, que procuro preencher com discussões filosóficas, políticas e, eventualmente, jurídicas que considero relevantes. É a maneira que encontro de contribuir – ainda que tímida e superficialmente – para a reflexão acerca dos tão graves problemas da sociedade contemporânea, problemas de que me ocupo como teórico. Hoje, no entanto, em função das comemorações pelo centenário da imigração japonesa, proponho algo diferente. Quero deixar as abstrações de lado. O espaço do jornal inteiro não seria suficiente e, de qualquer modo, meus conhecimentos não bastariam, se propusesse remontar em abstrato esses cem anos. Não sou bom contador de histórias, mas vou contar a trajetória de um homem específico, que nada tem de especial, mas que para mim representa a história de todos os imigrantes.

Massaki Murata nasceu em 1896, em Saitama-ken, província da região Kanto, área central do Japão. Não era o filho mais velho, o chōnan, portanto não seria sua, segundo a tradição japonesa, a responsabilidade principal por levar adiante o nome da família – mas seria seu destino tornar-se o patriarca de uma nova família, do outro lado do mundo. Deve ter vivido os anos de sua juventude como vivia um japonês comum da área rural entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX: destacou-se por ter estudado mais tempo do que era usual à época (o que lhe garantiu domínio acima do comum sobre o complicado idioma japonês) e por ter servido o exército imperial, como membro da infantaria (embora digam que se tratava de um péssimo atirador).

Casou-se duas vezes. Primeiro, com a filha única de uma família prestes a se extinguir. Em função disso, foi Massaki que adotou o sobrenome da esposa e não o contrário. Mas este casamento durou pouco: a esposa morreu precocemente, sem que tivessem chegado a ter filhos. Massaki então se casou com Ai. Foi com ela e os três filhos nascidos até então (três outros nasceriam mais tarde) que Massaki emigrou para o Brasil em 1932. Reza a lenda que a decisão de emigrar foi fundada na iminência da guerra. Mas é provável que, como para todos os outros, fatores econômicos e a propaganda oficial do governo japonês também tenham sido determinantes.

No Brasil, o trajeto da família de Massaki começa no Pará. Nem todos sabem, o Pará foi o segundo grande pólo da imigração japonesa, atrás apenas de São Paulo. Mas é difícil imaginar o que foi para um japonês, acostumado ao clima e à realidade sócio-econômica de seu país, ver-se rodeado pela floresta, em meio a um clima úmido e escaldante, sujeito a doenças tropicais e longe de tudo (comunicação, transporte, medicamentos, hospitais etc.). Os imigrantes japoneses na região amazônica chegaram a se dizer num “inferno verde”. Foi lá, primeiro em Acará e depois, fugindo da malária, em Capanema, que Massaki e a família habitaram até 1939.

Em 1940, a família se desloca para São Paulo, mais especificamente para Rancharia, em busca do então lucrativo cultivo do algodão. Entre 1943 e 1948, residiram em Bastos. Estavam, portanto, no “olho do furacão” durante a 2ª Guerra Mundial e no período imediatamente subseqüente. Bastos, que era a maior concentração de japoneses fora do Japão, sentiu profundamente as conseqüências do período mais obscuro da discriminação antinipônica no Brasil. E foi precisamente em Bastos que teve início o terror das disputas internas da colônia, encabeçadas pela organização Shindo Renmei, que culminaram numa série de assassinatos entre 1946 e 1947.

Massaki e a família passaram ainda por Parapuã, Monteiro Lobato e, finalmente, Dracena. Mencionei que Massaki adotou o sobrenome da primeira esposa – e este era Kashiura. Como a mãe de todos os seus filhos foi Ai, a segunda esposa, os Kashiura do Brasil não têm parentesco, ao menos genético, com qualquer Kashiura que ainda possa existir no Japão. Massaki, que paradoxalmente não nasceu um Kashiura, é o fundador da família. E não é uma família qualquer. Disse que não sou um bom contador de histórias, por isso acabo de contar-lhes a minha própria. Massaki é pai de Kinoe, Shoichi, Mitsuo, Miyako, Shiro e Yoshio. Shoichi, que os leitores talvez conheçam das feiras livres na Avenida Rui Barbosa, é pai de Osvaldo Takeharu e de Celso Naoto. E Celso, como o nome denuncia, é meu pai. Sequer conheci meu bisavô, que morreu em 1977, mas sou herdeiro da tradição que acabo de relatar – assim como o Brasil é herdeiro, já há cem anos, das tradições trazidas pelos japoneses. É nesta condição, de bisneto brasileiro de um imigrante japonês, que escrevo. E, por Massaki Kashiura, em nome do clã Kashiura, quero dizer a todos os imigrantes japoneses e aos seus descendentes – banzai!

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 18/06/2008]