terça-feira, 15 de maio de 2007

[NJ] C2H6O

C2H6O

“Quando você encontra algo agradável, você vai em frente e faz, e só se pergunta sobre o que fazer com aquilo depois de ter alcançado o sucesso técnico.”
– J. R. Oppenheimer

Está claro, pelo que conhecemos de nossa própria história, que o avanço tecnológico sempre foi realizado às custas da degradação ambiental. Tanto que hoje, como contraponto ao espetáculo tecnológico alcançado pela humanidade, a continuidade de tal avanço pura e simplesmente levanta a ameaça de destruição total do meio ambiente – conseqüentemente, da própria humanidade.

Na realidade, isso que vivemos perseguindo e que chamamos de “progresso” ou de “desenvolvimento” é um processo cego. Visa sempre a maior eficiência do meio, a maior produtividade, a maior lucratividade, mas jamais considera os fins. Até agora, se seu preço foi a destruição da natureza ou o sacrifício dos homens, então destruição e sacrifício foram pagos invariavelmente. Mas chegamos a um ponto limite. Pavimentando a estrada para nossa própria aniquilação, chegamos a um lugar onde já é possível vislumbrar o ponto de chegada. Só então se impõe a constatação de que é preciso puxar o freio.

A recente visita do presidente dos EUA ao Brasil é bastante significativa a esse respeito. Os avanços relacionados à utilização de combustíveis renováveis não foram, até aqui, ditados pelo fim de reduzir a poluição ou evitar o esgotamento do petróleo, mas pelas boas fatias de mercado convenientemente abertas por pretensas preocupações ambientais. O carro que polui menos, o motor que ajuda a evitar o efeito estufa – belos apelos publicitários! Só que isso já não basta. O plano de aumentar a produção e incrementar a utilização do álcool revela uma já consolidada consciência de que é necessário colocar a questão ambiental em primeiro plano.

Mas que ninguém se engane! Se é verdade que a questão ambiental está deixando de ser um mero engodo, também não é como preocupação com a proteção da natureza que ela está se firmando. Trazer o problema ambiental para a linha de frente não implica buscar meios de parar a destruição do meio ambiente: o que se quer é continuar tendo meio ambiente para destruir. Em outras palavras, o que se quer não é preservar a natureza, mas preservar o capitalismo, mais especificamente o capitalismo em sua feição atual. A questão do álcool é, portanto, parte da questão de como continuar dispondo de natureza para sustentar o “progresso” cego, em toda sua volúpia, com todos os seus efeitos exploratórios e destrutivos.

No mais, é preciso pensar nas conseqüências sociais do “boom” do álcool. A despeito da euforia das autoridades públicas, no saldo, os efeitos negativos tendem a superar os positivos. Não é novidade para ninguém: crescimento econômico jamais significou melhor distribuição de renda. Além disso, a produção de cana-de-açúcar em amplíssima escala, especialmente diante das perspectivas de mecanização, provavelmente vai gerar desemprego, intensificação do êxodo rural, crescimento de favelas e áreas urbanas marginalizadas do gênero, aumento dos índices de criminalidade etc.

Claro que a possibilidade de abocanhar a quase totalidade do mercado mundial de álcool é economicamente interessante – mas é preciso olhar para a outra face da moeda. E isso vale especialmente para nós, que estamos no olho do furacão. Dia após dia, com velocidade espantosa, pastos e plantações são substituídos por cana e mais cana. “Progresso”, será mesmo? Ou pensamos estar plantando cana para colher ouro, quando, na verdade, estamos semeando dentes de dragão?

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 06/05/2007]

quinta-feira, 10 de maio de 2007

[surtos e paranóias] Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam

ANNUNTIO VOBIS GAUDIUM MAGNUM: HABEMUS PAPAM

Cheguei a ter a impressão, por algum tempo, de que os conservadores estavam tímidos com o fato de serem conservadores. Parecia tão "fora de moda" ser de direita - aliás, tão fora de moda como ser radical de esquerda - que os conservadores faziam discursos tímidos, empolavam seus argumentos, disfarçavam suas posições. Mas isso acabou. Eles perderam a vergonha a tal ponto que agora até resolveram se denominar Democratas. (Se eles são os Democratas, que deus nos livre dos Republicanos!)

Àqueles que ainda têm alguma dúvida, "anuncio-vos uma grande alegria: temos um papa" para deixar claro que os conservadores voltaram com tudo. O Santo Padre se deu ao trabalho de vir de Roma até aqui para lembrar a todos os católicos que tudo que não é conservadorismo é pecado.

Teologia da libertação? Silenciem-nos!

A teologia da libertação - com a qual, fique claro, eu não concordo - merece pelo menos respeito por ser a revolta, em nome da fé e do dogma da igualdade espiritual dos homens, contra a injustiça social absurda que se mostra cada vez mais crua diante dos olhos de todos. Tamanha injustiça não pode ser "coisa de deus", mas os conservadores não a toleram. O problema, para eles, não é a religião fazer política - a Igreja nunca teve nada contra a religião se meter na política. O problema é que os padres da teologia da libertação estão jogando do lado errado...

Falam em legalização do aborto? Excomunguem-nos!

Que a questão da legalização do aborto deveria ser uma discussão laica é até bem óbvio. Ninguém pretende obrigar as beatas católicas a abortar, mas submeter todas as mulheres à lei do catolicismo definitivamente não é razoável: trata-se de dar a elas uma opção, que elas podem simplesmente rejeitar por questões de fé. Mas os conservadores não são razoáveis. O apego irracional ao princípio é sua ferramenta de trabalho. A questão dos fetos anencéfalos está aí para provar: o espetáculo bizarro que é obrigar uma mulher a carregar por 9 meses um feto que terá sobrevida de 9 segundos é absolutamente secundário, o que importa mesmo é o princípio da defesa da vida...

A verdade é que as "autoridades católicas" nunca deixaram de lado a saudade dos velhos tempos em que mandavam no mundo - tempos em que exterminar os infiéis e queimar os hereges na fogueira não tinha nada a ver com o respeito pela vida humana, esta dádiva do criador. Se a fé fosse só fé, ninguém teria nada a dizer contra ela, mas a fé é feita e representada por homens e eles estão sempre querendo meter o nariz onde não devem.